O nascimento de um bebé constitui um importante marco na vida dos pais. A introdução de um novo elemento na família suscita uma mudança na dinâmica familiar, com necessidade de adaptação de comportamentos e formação de novos hábitos de modo a receber o recém-nascido. É, portanto, normal que os novos pais sejam assoberbados com um turbilhão de sentimentos que englobam desde alegria e felicidade, a ansiedade, incerteza e tristeza.
Alterações físicas e hormonais
As alterações físicas e hormonais sofridas durante a gravidez, juntamente com o processo de retorno gradual do organismo a um estado próximo ao prévio à gravidez, constituem por si só um desafio na vida de uma nova mãe. Para além disso, em consequência do parto, ocorre uma queda acentuada das hormonas sexuais (estrogénio e progesterona) que, associada a alterações dos níveis de hormonas tiroideias, vão ser responsáveis por sintomas de fadiga, sonolência e desânimo.
Todos estes fatores, associados à privação do sono inerente ao cuidado de um recém-nascido e consequente sobrecarga emocional, podem gerar alterações da perceção da própria identidade.
Baby Blues vs Depressão pós-parto
É importante fazer a distinção entre as duas principais alterações do humor experienciadas pela mulher no pós-parto: baby blues e depressão pós-parto.
Baby Blues
Sinais e Sintomas
Caracterizam-se por um sentimento de tristeza sentido durante os primeiros dias após o nascimento. Pode ser acompanhado de períodos de alguma ansiedade e instabilidade emocional. A mãe pode experienciar variações do humor, com episódios de irritabilidade, choro e sensação de sobrecarga emocional. Alterações dos padrões habituais de sono, perda de apetite e perda de concentração são também sintomas frequentes.
Tratamento
Como parte do quadro descrito é coincidente com as mudanças típicas experienciadas na adaptação e cuidados ao recém-nascido, os sinais de baby blues poderão passar despercebidos ou ser subvalorizados pela mãe.
É importante ter em atenção que estes sintomas são transitórios e a sua duração não é superior a duas semanas. Não descurar, no entanto, a importância do repouso e da ajuda proporcionada pelo sistema de apoio, quer emocional, quer na partilha de tarefas, durante este período, fatores estes essenciais para uma resolução espontânea.
Depressão pós-parto
Sinais e Sintomas
Em comparação com os baby blues, a depressão pós-parto apresenta-se com sintomas de maior intensidade e gravidade. Também a sua duração é superior, podendo surgir em qualquer momento durante o primeiro ano após o nascimento.
Os sintomas assemelham-se aos de depressão major. A mãe apresenta humor deprimido, acompanhado de alterações graves do humor, choro intenso, perda de apetite e irritabilidade severa. A afetividade emocional pode ser significativamente afetada, com dificuldade no estabelecimento do vínculo mãe-bebé e distanciamento do seu círculo familiar e social. Pode ainda verificar-se concomitantemente perda/excesso de apetite, insónia/sonolência excessiva. Fadiga intensa, dificuldade na concentração e incapacidade de tomada de decisões acompanham a perda de interesse e prazer na realização das atividades diárias. Sentimentos de inadequação, cólera, culpa, vergonha e perda de auto-valorização são causa de ansiedade severa e ataques de pânico.
Na depressão pós-parto, surge ainda a necessidade de uma maior atenção direcionada à presença de possíveis sinais de alerta que sugiram um estadio mais severo de depressão: pensamentos nocivos direcionados ao bebé, pensamentos infanticidas ou suicidas. Dado o risco que representam contra a vida quer da mãe, quer da criança, estes sintomas de gravidade requerem referenciação médica e tratamento imediatos.
Tratamento
Ao contrário dos baby blues, a resolução não é espontânea. O tratamento engloba a combinação de medicação, um antidepressivo, com terapia cognitivo-comportamental. Esta terapia tem como objetivo a aprendizagem de métodos de gestão de emoções, de modo a lidar com as adversidades do dia-a-dia.
Fatores de risco
A existência de história de depressão ou ansiedade prévias ou durante a gravidez deverá alertar para um risco superior de desenvolvimento de depressão pós-parto. Outros fatores predisponentes a ter em atenção são: parto traumático, parto prematuro, ausência de sistema de apoio emocional e dificuldade no processo de amamentação.
Estigma, complicações e prevenção
Frequentemente, a mãe receia estes sentimentos de inadequação, por considerá-los impróprios e desadequados perante o acontecimento que é o nascimento de um filho. O medo do julgamento, da inadequação para ser mãe, leva a que frequentemente os sintomas não sejam reportados ao médico ou que não haja partilha de sentimentos com aqueles que a rodeiam.
Em caso de atraso ou ausência de tratamento, existe um risco acrescido de que a depressão pós-parto evolua para doença crónica e de desenvolvimento de episódios de depressão major futuramente. Para além disso, uma criança cujo progenitor sofra de depressão apresenta também uma maior propensão para desenvolvimento de problemas comportamentais, emocionais e de linguagem durante a infância.
Surge então a necessidade de uma maior atenção à presença de fatores de risco e vigilância médica adequada durante e após a gravidez, mas também de um ambiente familiar e social que traduza segurança e propicie a partilha de sentimentos e emoções. Em conjunto, estes fatores permitirão que se recorra ao médico de forma atempada para um processo de tratamento facilitado.
Depressão no(a) parceiro(a)
É de considerar que as alterações na vida e dinâmica familiar afetam também o(a) parceiro(a), principalmente se existir história prévia de depressão ou ansiedade. Os sintomas apresentados são semelhantes aos da mãe na depressão pós-parto. É de salientar que a depressão num dos membros do casal afetará sempre afetiva e emocionalmente a condição do outro e terá os mesmos efeitos negativos no comportamento da criança já descritos.
Psicose pós-parto
Condição rara, mas a de maior gravidade no pós-parto. Para além dos sintomas de depressão, apresenta sintomas de severidade como alucinações, delírios, perda de inibição e comportamentos inconsistentes com o carácter habitual. Nesta condição, existe uma ameaça grave à vida quer da mãe, quer da criança, o que requer tratamento urgente. Na psicose, a mãe encontra-se incapaz de reconhecer que está doente, sendo que o reconhecimento de sinais por parte da vigilância médica e do sistema de apoio familiar adquirem aqui um papel essencial na tomada de ação rápida para início de tratamento.